Surgimento da Tradição Sakya
A tradição Sakya tem suas raízes nos tempos antigos, dando origem aos primeiros povos do Tibete. Conta-se que entre os primeiros habitantes haviam três deuses celestiais, Kering, Ngoring e Tsering, que teriam descido do Paraíso da Clara Luz até o Tibete para beneficiar os seres. Algum tempo depois, eles se encontram em conflito com um grupo de seres demoníacos locais, os rakshas.
Durante o conflito, aconteceu um romance entre um dos três deuses, o Ngoring, e uma das filhas dos rakshas, à Yatuk Silima. Deles nasceu um filho chamado Khön Barkye, "Aquele que Nasceu entre o Amor e a Luta". Foi assim que o nome Khön tornou-se conhecido no Tibete. Os membros da família Khön então se tornaram discípulos de Padmasambhava e um deles se tornou um dos sete primeiros tibetanos a receber a ordenação monástica budista. Desde então e até o século XI, os membros da família Khön eram patronos e seguidores da antiga tradição Nyingma.
Entretanto, após a perseguição do rei Langdarma aos ensinamentos de Buda, houve um declínio no budismo. Khön Könchog Gyalpo (1034-1102) decidiu que a família Khön deveria procurar pelos novos tantras que começavam a chegar no Tibete. Em 1073, Khön Könchog Gyalpo fundou o Primeiro Monastério Sakya, no Tibete.
O próprio Buda Shakyamuni teria profetizado no Manjushri Mula-tantra que esse Monastério faria os ensinamentos florescerem no Tibete. Padmasambhava fez profecias semelhantes e Atisha, quando estava a caminho da Índia para o Tibete em 1040, teria feito oferendas no local onde seria construído o Monastério conhecido como "Terra Cinza", e também profetizou que este lugar testemunharia uma emanação do Bodhisattva Avalokiteshvara, sete emanações do Bodhisattva Manjushri e uma emanação do Bodhisattva Vajrapani.
Ao longo de muitos anos da história tibetana, houve indicações de que essas visões teriam se materializado. A palavra tibetana Sakya significa "Terra Cinza", e a tradição Sakya recebeu este nome por causa da região de terra cinzenta onde essas profecias foram feitas.
Nos séculos XII e XIII, a tradição Sakya assumiu uma posição proeminente no Tibete devido aos esforços dos Cinco Grandes Mestres (Jetsün Gongma Nga) da tradição Sakya: Sachen Künga Nyingpo (1092-1158), Lopön Sönam Tsemo (1142-1182), Jetsün Dragpa Gyaltsen (1147-1216), Sakya Pandita Kunga Gyeltsen (1182-1251) e Drogön Chögyal P'hagpa (1235-1280).
Depois deles, vieram os Seis Ornamentos do Tibete: Yaktön Sangye Pal e Rongton Mawe Senge, instruídos nos sutras; Ngorchen Künga Zangpo e Dzongpa Künga Namgyal, instruídos nos tantras; Gorampa Sönam Senge e Shakya Chogden, instruídos em ambos.
De acordo com a história tibetana tradicional, a difusão do budismo no Tibete foi conduzida pelas atividades sagradas dos Budas e Bodhisattvas, principalmente através dos esforços do Bodhisattva Avalokiteshvara. A difusão do budismo no Tibete teria sido profetizada pelo próprio Buda no Manjushri Mula-tantra.
Antes da difusão do budismo no Tibete, a religião e cultura nativas dos tibetanos eram fundamentadas na tradição Bön. O budismo começou a ser difundido no Tibete em duas disseminações, começando com o período dos Três Grandes Reis Religiosos.
O primeiro foi o Rei Songtsen Gampo da dinastia Yarlung, o 33º na linhagem real (aprox. 618-650). Este rei era uma emanação do Bodhisattva Avalokiteshvara e estabeleceu tanto a religião budista quanto a ordem política. Ele construiu o grande palácio Potala e dois templos em Lhasa. Sob o seu reinado, foi estabelecido um sistema legal que combinava princípios religiosos e seculares. O próprio rei deu ensinamentos orais sobre o Bodhisattva Avalokiteshvara.
O segundo rei religioso foi Trisong Deutsen, o 37º na linha real, uma emanação do Bodhisattva Manjushri (aprox. 740-798). Neste período, o budismo floresceu imensamente com a chegada do abade Shantaraksita e do preceptor Padmasambava (Guru Rinpoche), que foram convidados pelo rei a visitar o Tibete. A tradução dos ensinamentos de Buda foi iniciada, a assembleia de monges foi estabelecida e o primeiro Monastério budista no Tibete, o templo de Samye, foi construído. Os dois sistemas legais — a lei religiosa e a lei do reino — foram ainda mais difundidas e fortalecidas.
O terceiro rei religioso foi Ralpachen, o 39º na linhagem real e uma emanação do Bodhisattva Vajrapani. Este rei continuou a construir Monastérios budistas e, por édito real, apontou sete famílias para apoiar cada grupo de sete monges. Ele também padronizou a linguagem de tradução dos textos religiosos e estabeleceu os métodos para tradução e transmissão dos ensinamentos de Buda. A morte do rei Ralpachen marcou o fim da primeira disseminação do budismo no Tibete.
Após a perseguição imposta pelo rei Langdarma, o budismo foi revitalizado no ano 1042 com a chegada do monge Atisha (982-1053) no Tibete, iniciando-se a segunda disseminação. A partir de então, o budismo estabeleceu firmes raízes no Tibete. Em 1244, Sakya Pandita, o chefe da tradição Sakya do budismo tibetano, foi apontado como regente pelo governante mongol Godan Khan e se tornou o governante de todo o Tibete.
No século XVII, os gelugpas tornaram-se governantes do Tibete e, em 1642, o 5º Dalai Lama (1617-1682) tornou-se o primeiro Dalai Lama a governar o Tibete. Esta tradição continuou até o 14º Dalai Lama (nascido em 1935), que foi obrigado a se exilar após a ocupação comunista em 1959.
As sub-escolas da tradição Sakya:
O ramo principal da tradição Sakya está atualmente sob a liderança de S.S. 42º Sakya Trizin (detentor do trono). Assim como nas outras tradições do budismo tibetano, algumas subescolas ou subdivisões surgiram a partir do ramo principal.
Sakya Ngorpa
A subescola Ngor foi fundada por Ngorchen Künga Zangpo (1382-1457) com o estabelecimento do Monastério Ngor Ewam em 1430. A tradição Ngor foi continuada por mestres como Könchog Lhündrub, Thartse Namkha Chime Palzang e Drubkhang Palden Döndrub.
O líder sênio da tradição Ngorpa é S.E. Ludhing Khenchen Rinpoche, que se aposentou da abadia do Monastério Ngor no ano 2000 e a transmitiu para o seu sobrinho S.E. Luding Khen Rinpoche Jr, e S.E. Thartse Khen Rinpoche.
Sakya Dzongpa
A subescola Dzong foi fundada por Dzongpa Künga Namgyal (1432-1496) com o estabelecimento do Monastério Lhoka Gongkar Chöde no Tibete em 1464, a sudoeste de Lhasa, no lado sul do rio Tsangpo. Este mosteiro é especialmente famoso pelo estilo de pintura Khyenri, desenvolvida pelo glorioso artista Khyentse Wangchug.
O líder histórico da Tradição Dzongpa foi Lama Dampa Sonam Gyaltsen Palzangpo (1312-1375). Lama Dampa foi um dos mais proeminentes professores na tradição Sakya após os Cinco Patriarcas. Ele serviu como o décimo quarto detentor do trono Sakya (Sakya Trizin).
O atual líder da tradição Dzong é S.E. Gongkar Dorje Dhenpa Rinpoche.
Sakya Tsarpa
A subescola Tsar foi fundada por Tsarchen Losal Gyatso (1502-1556) com o estabelecimento do Monastério Dar Drongmoche na província de Tsang no Tibete. A tradição Tsar foi continuada por mestres como Jamyang Khyentse Wangchuk e Mangtho Lhündrub Gyatso, sendo renomada pelos ensinamentos do protetor Mahakala (Superior e Inferior) e pelas transmissões dos Treze Dharmas de Ouro.
O recente líder e sênior da tradição Tsarpa foi S.E. 25º Chogye Trichen Rinpoche (1930-2007), que também foi o Guru Raiz do Ven. Lama Rinchen Khyenrab. O Centro Budista Tibetano Sakya Tsarpa Thupten Dekyid Öedbar Ling (Mosteiro Sakya - Brasil), é a sede oficial da tradição Sakya Tsarpa na América Latina.
Atualmente a subescola Tsar e liderada pelos sucessores que Sua Eminência treinou desde crianças: S.E. 26º Chogye Trichen Rinpoche e S.E. 27º Chogye Trichen Rinpoche.
Antigas escolas ligadas à tradição Sakya:
Bodong
A subescola Bodong, fundada por Bodong Panchen Chogle Namgyal, desapareceu.
Bulug/Shalu
A subescola Bulug ou Shalu, fundada por Butön Rinchen Drub (Butön Thamche Khyenpa), tinha sua sede no Monastério Shalu, mas deixou de existir como tradição separada.
Jonang
Embora não seja uma subescola da tradição Sakya, a quase extinta tradição Jonang teve algumas ligações com o Monastério Sakya e com a família Khön. Künpang Thugje Tsöndru fundou o Monastério Jonang em 1294. Yumo Mikyö Dorje, um grande yogi do século XI, foi mestre dos ensinamentos de Kalachakra e um dos patronos da tradição Jonang. Künkhyen Dölpopa Sherab Gyaltsen, um dos maiores mestres do século XIV, estudou no Monastério Sakya e se encontrou com o 3º Gyalwa Karmapa, Rangjung Dorje. Em 1321, ele se mudou para o Monastério Jonang e mais tarde se tornou o seu quarto abade.
Durante o governo do 5º Dalai Lama, os monastérios da tradição Jonang no Tibete Central foram convertidos para a tradição Gelug, com exceção de um que era mantido pela família Khön da tradição Sakya. Apesar de pequena, a tradição Jonang sobreviveu em locais como Dzamthang, em Golok, Tibete Oriental.
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